segunda-feira, 18 de julho de 2011

Leia o texto de Marcelo Janot sobre o filme "A cor do Paraíso", a ser exibido nesta quarta-feira pelo Inovacine


O PARAÍSO NÃO É AQUI, MAS PODERIA SER

Por MARCELO JANOT
12/07/2002


Quase toda a cinematografia recente do Irã está atrelada a histórias sobre crianças. No início, era uma forma de, através do uso de metáforas, driblar a forte censura instaurada pela Revolução Islâmica de 1979, que abrandou após a morte do Aiatolá Khomeini, dez anos depois. Hoje em dia, isso se deve principalmente ao fator econômico: a maior parte dos filmes de lá é financiada pelo Ministério da Criança e do Adolescente.


O auge da invasão do cinema iraniano no Brasil se deu com o filme Filhos do Paraíso, de Majid Majidi, distribuído pela Miramax, que graças à indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1999, ganhou um circuito para além dos cinemas de arte e rompeu o preconceito dos que diziam "que não assistiam a filmes de países onde não havia água potável". Filhos do Paraíso(aquele do menino que perde o sapato da irmã e passa a revezar o seu com ela) era muito mais acessível do que as obras-primas metalingüísticas de Abbas Kiarostami (Close Up, Através das Oliveiras) e Mohsen Makhmalbaf (Salve o Cinema). Seu discurso narrativo se aproximava do cinema ocidental e, tecnicamente bem-feito, disfarçava o aspecto rudimentar. Antes de tudo, era um filme com alma, e excelentes atuações dos protagonistas mirins.

Quem conhece a obra de Majid Majidi (que estreou em longas em 1991, com Baduk, selecionado para a Quinzena de Realizadores de Cannes) já sabia de seu talento para dirigir crianças - e para explorar dramas familiares. Ele mostrou isso antes de Filhos do Paraíso com o ótimo O Pai (1996), sobre um menino de 14 anos que perde o pai num acidente de moto e se vê obrigado a sustentar a família indo trabalhar na cidade. O filme foi um dos destaques do I Festival de Filmes Iranianos no Brasil, que aconteceu em 1997, e quem perdeu dificilmente terá chance de revê-lo.

Em A Cor do Paraíso, seu quarto longa-metragem, Majid Majidi novamente volta a investigar a relação pai-filho, que dessa vez é muito menos otimista e harmoniosa do que em Filhos do Paraíso. Trata-se do drama de um menininho cego (o excelente Mohsen Ramezani, cego de verdade) rejeitado pelo pai. Se o documentário brasileiro Janela da Alma é um filme sobre deficientes visuais que se vale mais da palavra do que da imagem, no iraniano A Cor do Paraíso acontece justamente o contrário. O diretor faz uso do belo cenário natural e da exploração sensorial dos sons para tentar mostrar que a vida pode ser percebida de outras maneiras. E que o paraíso pode estar bem ali, no meio do inferno - basta querer vê-lo.

Sem ser simplório, Majid conduz o filme com a simplicidade que o tema não necessariamente exigia. Ao invés de recorrer a abstrações para filosofar sobre a condição humana destes filhos do infortúnio - o menino por ser cego e o pai por ser egoísta ao extremo, ter um filho cego, ser viúvo e não conseguir conquistar a atual noiva - , ele opta por valorizar os detalhes. Um filhote de passarinho esperando para ser colocado de volta ao ninho; o toc-toc-toc dos pica-paus; o colorido dos campos onde o menino cego brinca com as irmãs; a superioridade que ele demonstra na leitura em braile durante uma classe com crianças "normais": cada um desses pequenos momentos carrega em si grande significado.

Há, lógico, uma forte dose de messianismo, explícita desde a abertura, quando Majidi dedica seu filme à Glória de Deus. Pagamos na Terra pelos nossos pecados, e isso explica toda a desgraça que se abate sobre o pai. Como ele não quis buscar a redenção, agora está condenado à vida infeliz entre os mortais. Já o menino tem mais chance de encontrar a Luz no verdadeiro Paraíso. A mim, particularmente, filmes-catequese costumam incomodar, mas A Cor do Paraíso é facilmente apreciável como bom cinema e bela peça humanitária, independentemente de credo.

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